quarta-feira, 11 de março de 2009

"PENSEI QUE O MEU PAI ERA DEUS"...








Pensei que o meu pai era Deus

(...) Normalmente era a minha mãe que aparecia, mas, neste caso, foi o meu pai. Ninguém gostava muito de Mr. Bernhauser, mas o meu pai dedicava-lhe um ódio muito especial porque ele ficava com todos os brinquedos e bolas que fossem parar ao seu quintal. De maneira que, um dia Mr. Bernhauser desatou a gritar connosco para nunca mais tocarmos na sua querida ameixeira e vai o meu pai pergunta-lhe qual era o problema. Mr. Bernhauser respirou fundo e lançou-se numa diatribe sobre miúdos ladrões, delinquentes, ladrões de fruta e monstros em geral. Imagino que o meu pai já estava farto e mais que farto do vizinho, pois gritou-lhe que fosse morrer longe – de preferência longe, acrescentou, mas também podia ser ali. Mr. Bernhauser parou de gritar, olhou para o meu pai, ficou vermelho que nem um pimento, depois roxo, agarrou-se ao peito, de roxo passou a cinzento e, lentamente, afundou-se no chão do quintal. Pensei que o meu pai era Deus.

Robert Winnie


Um dia em Highley

Um dia, quando eu era um jovem contabilista, visitei um cliente que tinha uma quinta, nas proximidades de Highley, no Arizona. Estávamos nós à conversa quando ouvimos uma coisa a arranhar na porta da rede de arame. Diz-me o meu cliente: “Preste atenção”. Foi abrir a porta e, surpresa das surpresas, a “coisa” era um lince americano bastante corpulento. O meu cliente encontrara o lince, ainda bebé, num campo de luzerna e, desde então, o animal fazia parte da família. Mal abriu a porta, o lince correu para a casa de banho, saltou para a sanita e, agachado sobre os rebordos da mesma, fez o seu serviço. Quando terminou, saltou para o chão, ergueu-se sobre as pernas traseiras, estendeu uma das patas da frente e puxou o autoclismo.

Carl Brooksby
Mesa, Arizona

Paragens cardíacas

O homem chegou às urgências em paragem cardíaca total. Os paramédicos tentaram a reanimação cardiopulmonar. Tinham-lhe administrado duas doses de drogas – epinefrina, atropina, bicarbonato de sódio. Entubado as vias aéreas superiores durante o transporte. À chegada, verificou-se que estava em fibrilhação ventricular. Mais epinefrina e choques eléctricos. Nenhuma reacção. O homem foi declarado morto: um homem de setenta e um anos que vivia sozinho num parque de caravanas local e que, presumivelmente, fora vítima de um ataque cardíaco fulminante.
Ela chegou às urgências em paragem cardíaca total. Os paramédicos tentaram a reanimação cardiopulmonar. Tinham-lhe administrado duas doses de drogas – epinefrina, atropina, bicarbonato de sódio. Entubado as vias aéreas superiores durante o transporte. À chegada, verificou-se que estava em fibrilhação ventricular. Mais epinefrina e choques eléctricos. Nenhuma reacção. A mulher foi declarada morta: uma mulher de quarenta e dois anos que se deslocara à cidade para o enterro do pai. Ficara na caravana dele, num parque de caravanas local. Sem sabor, nem cheiro – o monóxido de carbono envenenara-a também a ela.


Sherwin Waldman, M.D.
Highland Park, Illinois


«Pensei que o meu pai era Deus», antologia organizada por Paul Auster


Paul Auster organizou neste livro uma extraordinária colecção de estórias recolhidas num programa do National Public Radio. Surgiu, assim, o “National Story Project”, de que este livro é a compilação de muitas das contribuições dos ouvintes dessa rádio.O que torna este livro fascinante é o facto de tanta ordinary people partilhar cenas e estórias fantásticas de uma existência em que, aparentemente, nada teriam de interessante.

Confesso que este livro me acompanhou durante algum tempo, nas minhas viagens de combóio. Aconteceu por vezes, dar comigo a pensar em mudar de vida, tal como na estória que acabara de ler, em que o narrador mandou tudo às urtigas e virou a vida do avesso!

Transcrevi aqui apenas três estórias de entre muitas que aconselho ler...

6 comentários:

Sofia disse...

As histórias são todas giras, mas a do Lince está demais.
Imagina tu mãe, abrirmos a porta aos cães, eles irem á casa-de-banho e ainda puxarem o autoclismo!!!Isso é que era...facilitava a vida.

P.S Mas a do que o pai era Deus, também não fica nada atrás...tou a ver que tenho que ler esse livro.:)

Beijos*

Geovana disse...

Gostei de todas as histórias... Beijos e bom final de semana.

Tombazana disse...

Beijinhos e muito obrigada Sofia e Geovana

Pintarriscos disse...

Olá Manuela. Tudo bem, amiga?

Hoje dei de caras com o teu blogue, e fiquei sinceramente impressionado. Gostamos muito de ti e do teu espírito eternamente jovem e indomável. E também dauilo que escreves.
Já te adicionei ao nosso blogue. Aparece por lá, será uma VIP.

Bjs

Paulo + Natalina

Tombazana disse...

Olá Amiguinhos

Sou viajante muito assídua do Pintarriscos e por vezes deixo comentários...adoro!

Muitos beijinhos para todos

Salva disse...

Ciao Tombazana,
tieni un premio nel mio blog!

beijos,
Salva :)